sexta-feira, 6 de julho de 2007

Escuta solidária - uma introdução.

“O ouvido, este órgão do medo, só alcançou tanta grandeza na noite e na penumbra de cavernas obscuras e florestas, bem de acordo com o modo de viver da era do receio... Na claridade do dia o ouvido é menos necessário. Foi assim que a música adquiriu o caráter de arte da noite e da penumbra.”
Nietzsche

A idéia desta oficina surgiu da experiência de anos dos oficineiros em trabalhos de criação, musicalização e direção musical para grupos de teatros amadores e profissionais. Vindos de uma formação musical acadêmica, a dupla de arte-educadores Amilcar Farina e Marko Concá, percebeu na prática, uma consequência “nefasta” da especialização das áreas artísticas: a dissociação do artista em domínios restritos - teatro, dança, música etc. Ao mesmo tempo, vislumbrou a riqueza de uma expressão artística livre de amarras, percebendo com inteligência a amálgama do que é ser artista-cidadão.

A complementaridade entre os dois campos, música e teatro, passou a ser então o primeiro estágio em busca de uma integração artística e social. Para alcançarmos o objetivo de uma verdadeira “música cênica” devemos primeiramente passarmos por um saudável exercício de desapego de técnicas e regras já conquistadas dentro da área específica de cada um. Tal abertura torna a experiência da expressão artística mais profunda. Assim como a integração entre corpo e som no gesto musical torna a vivência musical mais intensa, a importância da escuta, o ouvir o outro, e a evidência de uma escuta com intenção, trás profundidade e enriquece o trabalho cênico.

A ponte que propomos para esta integração é a escuta que aparece como um sentido extremamente atrofiado em um mundo contemporâneo onde as imagens prevalecem. Para tal, solicitaremos a experiência mais fundamental da escuta de si-mesmo, assim como a escuta do outro e do nós, em exercícios cênicos-musicais que revelam e sensibilizam o sentido de uma escuta revigorada. O resultado desta ampliação da escuta deve ser acompanhado de exercícios de criação pautados no improviso – a criação espontânea e imediata que desobstrue e fortalece os canais criativos. Como nos lembra Stephen Nachmanovitch

(…) trabalhar a criatividade não é uma questão de fazer surgir o material, mas de desbloquear os obstáculos que impedem seu fluxo natural.

Como fundamentação teórica para o que denominamos a “escuta de si-mesmo” nos orientamos pelo conceito de “imaginação ativa”, tal como proposto pelo psicólogo suiço C. G. Jung: a escuta e o diálogo com os conteúdos inconscientes. Por outro lado, no campo da escuta coletiva e social, o músico canadense Murray Schafer aparece como principal influência, com uma preocupação voltada para uma “ecologia acústica”, questionando-se sobre a relação do homem e a paisagem sonora.
Ao longo dos encontros vivenciaremos diferentes modos de escuta e criaremos a partir destas experiências. Pretendemos enfim, dar a direção para um modo de escuta solidária, na qual o indivíduo criativo, consciente de si-mesmo e de seu papel no grupo tem uma clara intenção de apoio mútuo e compartilhamento: uma escuta de quem “estende a mão”, visando assim a formação de um artista-cidadão.

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